Era
tarde, entre sete e oito horas da noite, ainda assim ela precisou sair
urgentemente de casa. Era uma questão de saúde. Precisava levar seu filho ao
médico, pois desconhecia o comportamento de sua criança: ele não ria, não
chorava e dormia muito pouco, mesmo com os estímulos de sua mãe. Seu bebê
possui quatro meses de vida e não age como tal, as dores de cabeça são causadas
pela falta de tormento.
Gabriela,
a mãe de 16 anos solteira do bebê, tem pressa de chegar ao hospital Tasso
Jereissati. Ela mora perto de lá, contudo, naquela noite, o hospital parecia
longe.Apertou
o passo.Teve um
pressentimento ruim antes de sair de casa, mas seu bebê era sua prioridade
agora. O vento soprou frio e cortante. Gabriela aperta a criança em seus braços
para protegê-lo do frio repentino.Carregava-o
em panos grossos para evitar o frio.
Ela
passava do outro lado da rua na qual ficava localizada a praça da prefeitura de
Juazeiro do Norte quando viu um casal empilhando corpos mutilados.
Inconscientemente parou a marcha e sentiu-se obrigada a observar a curiosa
cena, contudo, horrenda. Aquele fora o último momento em vida que a curiosidade
de Gabriela a fez entrar em uma encrenca.Em
segundos já havia retomado a marcha para o hospital.
A jovem
mãe sabia quem eram aquelas pessoas empilhando corpos, outrora acharia
esquisito, mas agora se tornou um fato corriqueiro e bizarro.
Quando
Gabriela possuía 15 anos, há um ano antes de engravidar, recebera o sinistro
convite de seu “namorado” para fazer parte de uma daquelas duas gangues que
tinham cabalística mania de beber
sangue de humanos. Seu namorado lhe falou em poderes sobrenaturais, em beleza
eterna, em grandes riquezas e uma vida eterna, pomposas eram as vantagens de
fazer parte de uma das gangues dos
acordados, como eram chamados os membros por terem outra mania bizarra:
andar somente à noite.
Gabriela
também sabia que a rixa que as duas gangues possuíam sempre trazia a morte aos
seus membros e que os combates eram tão violentos que apenas os líderes
sobreviviam. Logo negara o convite. Seu “namorado”, possesso de fúria,
violentou-a e, por conseguinte, Gabriela engravidou. Não denunciou as
autoridades policiais quem a estuprara, e tampouco que fora estuprada, por
causa do medo, mesmo com a existência vigente da Lei Maria da Penha no código
penal brasileiro.
Ela é
apenas mais um caso de tantas outras jovens que engravidaram precocemente. O
que importava era que estava viva, por enquanto.
Continuou
a passos firmes.
Até
então ninguém ali lhe notara e desejava continuar assim.Repentinamente
uma mão forte apertou-lhe o ombro.Gabriela
temeu pela vida do seu filho. Apertou-o ainda mais em seus braços e não se
moveu, apertou os olhos e esperou o segundo seguinte. Seu corpo foi virado
bruscamente e no ato de girar sobre os calcanhares ela gritou, pois vira o rosto
de seu agressor: um adolescente que possuía provavelmente a sua idade e sua
altura, ele ofegava e expelia sangue pela boca. Estava sem um dos braços e
exibia suas presas. Aquele rosto nunca lhe foi tão familiar como agora: seu ex-namorado. O acordado a toma pelo
braço e a lança ao chão, fazendo o bebê cair inconscientemente ao seu lado.
O
acordado salta em seu corpo e lhe morde o pescoço, sorvendo seu sangue
veementemente. Gabriela grita como pode.
Com o
resto de seus sentidos, a jovem mãe percebe uma figura se aproximar num leve
flutuar. Uma figura fantasmagórica? Seria a morte? Não, Gabriela sabia que não.
O rosto da figura, suave e angelical, encontrou o seu e o acordado foi retirado
de cima de seu corpo à força. Gabriela sorriu. Um anjo viera lhe salvar.
-Um
anjo... Anjo... – sua voz soa fraca e falha, quase inaudível – Salve... Meu...
Salve... Salve meu... – ela tentou, ela quis gritar ao seu anjo salvador, com
seu último suspiro, que salvasse seu bebê, mas tudo escureceu e sua vida esvaiu-se
ao som copioso do choro de uma criança.
João, seu filho, finalmente chorara.