segunda-feira, 29 de abril de 2013

Mudando de ares: Filologia


Resenha sobre a Reportagem da revista Superinteressante¹ de 1990

É complicado se trabalhar com certas áreas históricas em vista da pouca quantidade de dados que tais garantem aos seus pesquisadores. A Filologia, ainda que seja uma ciência inteiramente voltada para a linguagem, se envolve com a História tal como se envolve com outras ciências, como a Psicologia e a Antropologia. Para tanto, sabe-se que documentos oficiais, principal objeto de estudos, perderam-se com o tempo de acordo com as situações em que se envolviam. Pensando desta forma, consegue-se entender o quanto complicada é a busca pela árvore genealógica que muitas vezes a Filologia se presta com o apoio da Linguística Histórica.
Um dos trabalhos da Linguística do século passado, o mais importante de todos eles, era encontrar a mãe das línguas, ou pelo menos algum parentesco, através da comparação entre línguas semelhantes. Desta forma descobriram-se as línguas românicas, isto é, línguas que possuem uma mesma raiz comum: o latim. Bem como outras famílias linguísticas surgiram na medida em que as comparações ganhavam concretude. As “proto-famílias” (por que não dizer “as superfamílias”) também se tornaram alvos para os linguistas a partir do momento que eles perceberam que as famílias linguísticas possuíam certo grau de semelhança, ao se observarem certos grupos de vocábulos e seus significados. Talvez umas das ânsias dos linguistas fosse comprovar o mito da Torre de Babel, em que todos os homens falavam a mesma língua e, para demonstrar a superioridade humana, criaram uma torre que pudesse alcançar o céu. Deus, para “castigar” a pretensão do homem, destruiu a torre e com ela a língua original, fazendo com todos os homens passassem a falar línguas diferentes. Mas surge o questionamento: qual o interesse da Filologia nessa investigação histórica?
Realmente é uma pergunta pertinente e a resposta é ainda mais pertinente. Para uma ciência que estuda a cultura e o comportamento dos povos através dos escritos deixados por eles, seria bastante conveniente conhecer a origem de todas as línguas, por mais utópico que possa parecer. O ato de conhecer a gênesis linguística ajuda o filólogo a entender os processos culturais que modificaram e distanciaram, ou não, a língua-mãe de suas “filhas e netas”. No entanto, há um porém, talvez o mais sutil e definidor de todos: muitas vezes as evidências genealógicas entre línguas remotamente aparentadas são escassas, ou seja, os linguísticas históricos se valem de algumas poucas palavras na busca do sang’real, isto é, o sangue real. Sabe-se que do contato de uma língua com outra, pode ocorrer da primeira tomar para si expressões da segunda e vice-versa. Qual seria a prova, então, de que ambas são parentes? Nem sempre a semelhança de alguns vocábulos indicará um verdadeiro grau de parentesco.
A reportagem publicada na revista Superinteressante, intitulada “Antes da Torre de Babel” vem relatar tais constatações já abordadas ao longo do texto. No terceiro parágrafo, na seção Português é aparentado até com o sânscrito, é relatado: [...] “3 mil línguas espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Essas, mais outras milhares já esquecidas que deixaram algum tipo de registro escrito, foram agrupadas em doze² famílias linguísticas importantes e cinquenta menos importantes.” Nesse pequeno trecho, mas bastante esclarecedor, nota-se o nível de dificuldade que linguistas históricos de todo o mundo enfrentam ao longo de seus estudos. Se supusermos que cada língua possui em torno de 5.000 verbetes, cada qual com seus significados e etimologias próprias, teremos 15.000.000 milhões de palavras oficialmente catalogadas para serem comparadas, sem estar levando em conta os dialetos e as línguas ditas mortas³ (a exemplo o latim).
Tamanho trabalho árduo gera frutos mínimos observando tais números, mesmo que supostos. Comparar línguas, encontrar nelas reminiscências de outra, e nesta se deparar com resquícios, e para fim encontrar nestes sopros ou ecos de um passado de difícil acesso de uma língua. É de semelhante dificuldade que os paleontólogos partilham ao encontrarem o osso da ponta da cauda de um gigantesco brontossauro (um dos dinossauros de maior comprimento de que se tem notícia).
Na reportagem mencionada, logo de cara nos deparamos com um fato comprovado: essa investigação não é algo oriundo dos tempos modernos. Bem antes do nascimento de Cristo, um faraó já refletia sobre a língua dos homens. As mais bizarras experiências foram feitas para tentar descobrir qual era a língua dos primórdios. Bebês eram criados sem nenhum contato social e verbal, se preciso fosse o suprimento alimentício seria cortado para que eles fossem instigados a usar a língua original. No entanto, ao que consta, foi um fiasco. Mas o desejo de descobrir a “avó” de todas as mães de todas as línguas resistiu ao tempo e as experiências com crianças. Chegou aos tempos modernos e com eles encontrou novos meios de estudar as similaridades que as línguas tinham entre si, assim dando início a Linguística Histórica e realçando os interesses da Filologia.
Um dos pontos que ponho em cheque nesse momento final do texto, talvez culminante para toda a minha argumentação, são os justos exemplos dados ao fim da reportagem. Aqui cito o parágrafo:

Uma delas é a incrível semelhança de palavras entre as línguas indígenas da América pré-colombiana e idiomas falados pelos povos do Mediterrâneo e Oriente Médio. Por exemplo, os índios araucanos do Chile usam a mesma palavra que os antigos egípcios, anta, para designar o Sol e a mesma palavra que os antigos sumérios, bal, para machado. A palavra araucana para cidade é kar, semelhante a cidade em fenício, que é kart. (SUPERINTERESSANTE, pg.??, 1990)

Os linguistas, bem como os filólogos, trabalham com muito pouco para dizer tanto. Não afirmo que seja um trabalho em vão, que tais estudos não levarão a lugar algum, no entanto já se percebeu que as famílias e as proto-famílias não são realmente línguas concretas: na verdade são suposições das originais, posto que não haja documentos escritos em tais línguas. É preciso tomar cuidado, pois uma língua possuir palavras semelhantes, ou de mesmos significados, ou mesmo idênticas a outras não significará propriamente que sejam irmãs, primas, netas, filhas ou mães.






¹  Número da revista não identificado, bem como o mês de publicação
²No texto original se encontra “dose”, mas para ajudar na compreensão a correção foi feita.
³Uma língua morta não significa que não é mais usada. Na verdade é uma língua que não é mais falada pelo povo.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Contos da Meia-Noite


Conto II
Uma pessoa me procurou por longos três meses. Ela queria saber mais sobre o que aconteceu comigo e com a minha família. É curioso como pequenas coisas podem mudar o mundo, não acha? Eu decidi falar para essa pessoa, era uma escritora para um blog pouco conhecido, então concordei em contar a minha história. Já que era desconhecido, então minha história ficaria no anonimato.
Resolvi contar, então, o que se sucedera naquela noite. Eu estava voltando do trabalho, eram mais ou menos 10 horas da noite. Eu trabalhava, naquela época, como vendedora de uma loja no shopping da cidade. O céu estava vermelho. Iria chover em alguns minutos, então pensei que o ônibus, onde eu estava, poderia ir um pouco mais rápido para evitar a chuva. Quando faltava apenas um quarteirão para minha casa, eu desci do ônibus e corri para casa. Alguns repingos começavam a cair.
Na porta de casa, sentado e me fitando com penúria, um gato rajado de olhos de estranha cor. Eram negros por completo. Achei que o pobre gato fosse cego, e sempre gostei de gatos, então o deixei entrar em casa. A chuva engrossou. Os pingos d’água pareciam bolas de gude atingindo o teto. Os trovões e os relâmpagos pareciam despontar no terreno ao lado de casa. Eu tremia nas bases a cada barulho ensurdecedor que os fenômenos produziam. Aquela chuva não era comum.
Deixei o gato na sala e fui ver o resto da casa.
Tudo estava escuro e trancado. Meus pais dormiam. Olhei todas as portas. Tudo trancado. Respirei fundo. Eu achei que a casa estava segura. Fui tomar banho para dormir. Eu estava cansada naquele dia.
No meio da madrugada eu acordei assustada. Saí do quarto às pressas e fui até a sala. Eu tinha me lembrado do gato e da porta da frente. A chuva ainda estava forte e os relâmpagos iluminavam a casa de vez em quando.
Deparei-me com a porta escancarada e os ventos empurrando a chuva pelo vão. Fui até a porta e fechei-a. Assombrei-me com a visão que tive a seguir: a parte detrás da porta estava completamente marcada por rachaduras enormes. Parecia que uma coisa com garras enormes arranhara a porta. Nas bordas de algumas rachaduras vi marcas vermelhas que se estendiam até o chão. Segui com o olhar até ver que um caminho feito por um líquido vermelho próximo aos meus pés.
O cheiro forte inundou as minhas narinas. Era sangue. Segui o caminho até o quarto de meus pais. Eu estava apavorada. Minhas pernas tremiam e eu mal conseguia respirar. Empurrei a porta do quarto de meus pais. Dentro do quarto tudo estava destruído e havia sangue para todos os lados. Olhei para o chão. O felino me fitava intensamente, como se quisesse me dizer algo.
Comecei a caminhar para trás e ele me acompanhou. O gato sibilou para mim e tal me fez cair no chão. O gato saltou sobre mim e me abocanhou. Tentei gritar, mas o meu próprio sangue me sufocava. Meu corpo tremeu violentamente e eu desmaiei. Quando novamente abri os olhos eu estava numa cama de hospital. Meus pais conversavam com médicos sem nem notar que eu acordara. Olhei para o lado, para a janela, o gato estava lá e finalmente eu pude ver porque seus olhos eram negros: eram órbitas vazias. Quis gritar, mas minha boca estava enfaixada.
O gato atravessou a janela e veio até, silenciosamente, sem pressa, com certos ares irônicos. Ele escancarou a boca: também não possuía língua, além dos olhos. Chorei de terror. O animal se pôs sobre mim e fechou a boca, simultaneamente que fechava os olhos. Finalmente meus pais se voltaram para mim, mas eu vi que eles também não possuíam nem língua nem olhos. Na parede do quarto estava escrito em letras garrafais: “Que foi? O gato comeu a sua língua?”.
Meses depois eu fui internada num hospital psiquiátrico. Chamaram-me de esquizofrênica porque esse gato sempre me aparece nos dias de chuva.
Não sei quem me internou, não sei de meus pais, se estão vivos ou não, não sei o que acontece lá fora por estar presa aqui dentro. Tudo o que sei é um gato mudou a minha vida. Só isso.

por Ayanny P. Costa

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Branca de Fome - Parte 4



Longas as noites de medo e escuridão que Branca passou abraçada a Lampião, com medo não de monstros fantasiados que toda criança tem medo, mas dos animais que por aí vagavam, além dos cangaceiros. Homens que não seguiam a lei, que matavam as pessoas que cruzavam o seu caminho e não obedeciam a suas ordens. Os dias quentes e secos foram uma tortura agonizante para a menina e seu cachorro, mas ambos não pararam, continuaram caminhando, sempre em frente.
Branca, depois de uma longa jornada desbravando o sertão, já se encontrava sem comida e sem água. A menina carregava Lampião em seus braços, da mesma forma quando o encontrou da primeira vez. Chutava o solo, mal enxergava seu caminho, parecia que as pernas se moviam sozinhas e levavam Branca para algum lugar. Outra fazenda.
Esta era mais verdejante que a fazenda de Rainha, porém menor. Branca parou diante das cercas que circundavam a fazenda e fitou as porteiras escoradas uma na outra. No alto da porteira havia algo escrito, mas ela não se preocupou de ler, abriu a porta e entrou.
Foi diretamente a porta da fazenda que levava a cozinha, a porta dos fundos. Lá encontrou um tonel de barro com água até a borda. Branca deitou Lampião no chão e mergulhou a cabeça no tonel. Segundos depois ela levanta a cabeça, espalhando água em seu corpo através dos cabelos molhados. Com as mãos em concha, Branca retira água do tonel e molha o corpo de Lampião, em seguida dá-lhe água na boca.
O cão bebeu avidamente todas as vezes que Branca lhe dava água na boca. Já com a sede saciada, Branca buscou pão para matar sua fome e de seu cachorro. Encontrou dez pães grandes de forno, feitos manualmente, no alto da mesa, Branca pegou dois pães. Um dos pães ela entregou ao cachorro, e outro ela comeu.
Os dois ficaram encolhidos na cozinha saciando a fome.
A noite não tardou a chegar e consigo trouxe os donos da fazenda. Branca dormia perto do tonel de barro, abraçada ao seu fiel amigo, pois ali era o local mais fresco de toda a fazenda. Finalmente a menina pode descansar devidamente por algumas horas.
As portas da cozinha se abriram quase ao mesmo tempo.
Homens de todos os tamanhos, larguras e cores surgiram. Eram sete homens, dentre eles havia um chamado Venâncio. Era o líder do bando e dono da fazenda. O homem entrou fazendo barulho juntamente com as portas e o resto do bando. Branca e Lampião acordaram num sobressalto.
Lampião late para os desconhecidos.
Branca recolhe-se atrás do cão e abraça os joelhos, com medo. Venâncio vê a menina sentada perto do pote e se aproxima apontando a velha espingarda que trazia consigo para ela. Branca começa chorar em desespero, balbucia palavras soltas tentando explicar o que lhe houve e porque estava ali, mas ninguém entendeu nada.
Um homem, mais velho do bando, de barba escura com leves falhamentos grisalhos se aproxima de Branca. Seu olhar terno fez Branca parar um pouco com as lágrimas.
-Oxe minha fia... O que foi que lhe aconteceu? – pergunta o velho.
-Eu morava mais Rainha, dona da fazenda Rai de Sol, só que aí eu discubri que ela quiria me vendê a um homem por três cabeça de gado branco. Eu fugi de lá, num sei há quanto tempo tô perambulando por aí mais Lampião, meu cachorro e único amigo! – Branca abraça o cão.
Lampião se mostrava desconfiado, mas tranqüilo.
-E cuma é seu nome? – pergunta Venâncio.
-Nome eu num sei não... Mas me chamavam de Branca.
-Pois pronto! Seu nome é Branca e diga isso quando lhe perguntarem! – Venâncio coloca a espingarda escorada no pote e ajuda a jovem a se levantar – Oxe que ninguém faz isso cum uma criança! Num vende nem pelo dinheiro do mundo intero! Ocê é órfã?
-Só sim. De pai, de mãe, de tudo nesse mundo, só num sô de amigo, porque Deus, na hora do sufoco, me deu Lampião e deu eu a ele!
-Pois agora ocê é do bando de Venâncio! – o homem transpassa um braço sobre os ombros da menina e sorri – E vô lhe apresentar todo mundo! Olhe: esse véi, barbudo, cum chapéu de côro é nosso mestre e professor, o nome dele é Vieira. Aquele dois, que mais parece um só, que a única diferença é um tem a oreia esquerda e o outo a oreia direita, se chamam João e Jango. E da esquerda pra direita, tu tem Neitor, Zé Pequeno, Chico das Pedas, Ariovaldo e Francismar.
-Vixe Maria! Qu’é gente!
-E agora nois tem uma muié, pra cuidá das coisa da fazenda! E quem diz é Venâncio: se a veia da Rainha vier lhe pegá nois recebe ela cum sal grosso! E quando Venâncio diz...
Os outros completaram.
-Tá dito! – e Branca riu folgadamente. E agora Branca morava naquela fazenda escondida pelo sertão.
A rainha estava louca, procurando Branca em todos os lugares que podia, pagando homens e mais homens para procurá-la pelas cidades próximas e assim ficou até que uma certa tarde um homem suado e gordo entrou em sua varanda. Vinha balançando freneticamente seu chapéu frente ao seu rosto, tentando diminuir o calor.
Colocou-se de pé na escada que dava acesso a varanda.
Respirava forçadamente, tal como o cavalo que o trouxera, lutando para não desmaiar de calor e cansaço. Rainha, vendo o homem em tal situação, mandou um empregado buscar um copo grande e cheio de água para o homem. Ao ver o copo cintilando a sua frente, o gordo adiantou-se e o pegou com avidez, bebendo todo o líquido em menos de três goles.
-Diga jagunço. O que foi que ocê descobriu?
-Ói minha senhora... – ele ainda ofegava.
-Rainha! – interrompeu a mulher, que era abanada por uma de suas empregadas negras, com convicção na voz.
-Rainha... Eu descobri onde está a menina Branca... – o homem apoiou-se no corrimão da escada e respirou – Ela tá escondida na fazenda dos sete cangaceiros, além do sertão, depois da prantação de cacto, já chegando em Potó Brilhante!
Rainha ficou em silêncio, pensando um pouco.
-Pois eu irei lá. Se aquele sinhorzinho do Miguel souber que Branca tá lá, vai numa carreira só atrás dela. Parece que o sinhorzinho se apaixonô pela menina Branca.
-A Rainha quer que eu mande uns cinco cabras lá?
-Não! Eu irei e levarei comigo mais três escravos. Se ela tentar fugir, eu pego ela numa chamada grande!
Rainha levantou-se e entrou, dirigindo-se até seu quarto para arquitetar o plano. Ela se disfarçaria de uma senhora pobre e idosa,pedindo água e um pouco de comida, Rainha sabia que Branca jamais negaria a uma idosa comida ou água. Ela teria a oportunidade perfeita para pegar a menina de surpresa para vendê-la ao Seu Severino assim que voltasse.
Na manhã seguinte, pouco antes do meio-dia, Rainha saiu a galope junto com três escravos para a fazenda dos sete cangaceiros.
Em questão de duas horas ela estava lá.
Mandou que seus escravos deixassem os cavalos prontos para uma fuga rápida e esperassem o sinal dela.
E lá foi Rainha com um vestido escuro sujo de terra e um lenço preto na cabeça. Havia se sujado de barro para ficar com o rosto irreconhecível. Chegou devagar, empurrando a porteira da fazenda, analisando o lugar para ter certeza que os cangaceiros não estariam ali.
Branca lavara alguns lençóis e estava pendurando num varal improvisado quando viu uma senhora entrando aos coxos, com um dos braços estirados para ela. A moça foi ao encontro da idosa e a ajudou a entrar na modesta casa da fazenda. Entendeu que a mulher desejava um pouco de água e um pedaço de pão.
Enquanto Branca fora buscar um copo com água e o pão, Rainha levantou-se de uma vez retirando o capuz que lhe servia de proteção ao sol e segurando-o com as duas mãos se dirigiu até a moça que cantarolava baixinho enquanto enchia o copo com água. Branca não vira quando o pano negro que tampou a vista, impossibilitando de perceber que estava sendo seqüestrada por Rainha.
A moça gritava e se contorcia nos braços da mulher. Rainha, quando percebeu que Branca tentava se libertar, gritou por um de seus escravos para levar a moça nos braços. Lampião que tudo vira não teve chance de defender sua amiga, mas ouviu atentamente o apelo da menina.
-Lampião!!! – gritava Branca – Vá chamá Venâncio!!! Ligero!!!
E o cachorro, sem demora, foi até onde o bando se encontrava, numa cidade não tão distante da fazenda.
Rainha ria e se vangloriava, pois seu plano ia às mil maravilhas. Branca estava no colo de um dos escravos, que seguia montado. A menina estava sem o capuz negro e fuzilava sua seqüestradora com os olhos.
-Sua mardita cobra criada!!! – gritava Branca – Quando Venâncio souber vai arrancar sua cabeça na faca!!!
-Ele nunca vai saber, sua cabrita, já que não tinha ninguém pra ver o que aconteceu e dizer a ele!

CONTINUA...

quinta-feira, 18 de abril de 2013

MAIS UMA COISA

Em breve BRANCA DE FOME - PARTE 4. Aguardem...

Contos da Meia-Noite

Conto I

        Que eu posso dizer...
      Desculpem-me pela modéstia, é a primeira vez que resolvo contar o que houve comigo. Não sou de falar muito, quero dizer, eu era de falar um bocado, mas agora não sou mais. Por onde começar. Talvez pelo dia. Era cedo quando acordei para sair, eu iria para a faculdade, já fazia algum tempo que eu cursava História, então eu não tinha lá grandes preocupações com horários. Eu trabalhava durante a tarde e comprara um carro, rápido eu chegava a onde eu queria se o trânsito tivesse bom. 

      O que acontece é que eu, naquele dia, acordei com vontade de ficar em casa. Eu me sentia meio angustiado, sabe? Como se alguma coisa fosse acontecer, mas eu tinha que sair. Por incrível que pareça era dia de prova e eu me sentia mais tranquilo sabendo disso. As vezes, para espantar os maus pensamentos é preciso achar algo que seja tão forte ao ponto de ocupar sua mente. Ao longo da prova eu me esqueci do sentimento, mas ele logo voltou, como se esperasse eu terminar. Fui almoçar depois que as aulas haviam encerrado.
     Notei que alguns pássaros ficavam me encarando para onde eu fosse. Me vigiavam, isso eu sabia. Aquela angústia apertava cada vez mais o meu peito e faltava-me o ar de vez em quando. Eu me questionava o que estava acontecendo. Por que eu me sentia daquela forma? Durante o almoço, uma moça jovem passou por mim. Ela me entregou um bilhete e saiu sorridente. Abri o papel com cuidado.

 "Falta pouco, muito pouco...  Tenha calma
Logo, logo em paz ficará tua alma
E estas pouca vida, tão fugaz
Perderá você, meu rapaz"
    Gelei completamente os ossos.
    Procurei a menina pelo restaurante, mas ela havia desaparecido. Meu coração quase saltava para fora de meu peito. Fui embora dali correndo para o meu carro. Eu tinha que ocupar a minha mente rapidamente. Aquilo era loucura. Alguém ameaçara a minha vida? Mas eu nunca fizera mal a ninguém e eu não conhecia quem me odiasse. Tão logo saí dos arredores da faculdade e já chegava ao meu trabalho. Eu lecionava numa escola tranquila, mas naquele dia eu não estava tranquilo.
    Entrei na sala com cautela. Como era de praxe, os alunos ainda não haviam chegado e eu tinha algum tempo para me acalmar. Foi quando eu percebi que a sala escurecera repentinamente. Olhei para as janelas escancaradas: as nuvens impediam a passagem do sol. Um vento soprou as nuvens para longe. A sala voltou a ser clara. Fui ao quadro para escrever os assuntos da aula, mas não pude fazer um único risco: minha mão paralisara quando meus olhos se depararam com a lousa. Inúmeras vezes, de inúmeras formas, estava escrito o poema que eu havia recebido no almoço.
      Corri para longe dali como um louco.
      Eu não podia ficar ali. Alguém me perseguia e queria me matar. Corri para o carro e acelerei para casa.
     Pouco me importavam os sinais vermelhos e as multas, eu dirigia sem ver o rumo. Minhas mãos tremiam e suavam frio. Os postes, as pessoas, as placas, tudo passava por mim como manchas. Dirigi por horas, até a gasolina quase acabar. Já passava das dez quando eu encontrei um posto de gasolina. Decidi voltar para casa. Quem quisesse me matar já teria desistido da ideia, já que não me encontrara na cidade, mas você sabe que as coisas são justamente o contrário daquilo que a gente pensa.
     O mundo me pareceu sufocante, então acelerei novamente cidade a dentro. Eu estaria seguro em casa. Se eu conseguisse chegar em casa ninguém me atacaria, eu ficaria bem, eu ficaria tranquilo. Desejei estar com meus pais, desejei estar em casa, mas ela não vinha por mais que o velocímetro marcasse 120km/h. Foi quando vi uma luz, uma luz forte que me cegou. Essa luz me fez ouvir um barulho agudo e ensurdecedor. O barulho fez meu carro tremer por horas. O tremor machucou-me severamente.
      Quando finalmente abri os olhos, eu estava em casa. Na cama, deitado e com a janela fechada, eu senti que era cedo demais, lembrei-me que tinha que ir para a faculdade. Tinha prova naquele dia. Mas ao me sentar na cama, uma onda de terror tomou o meu corpo e me fez tremer. Era angustiante, sufocante e eu não sabia de onde viera. Sabe aquela sensação ruim que te faz querer ficar em casa?

por Ayanny P. Costa
  

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Mudando de ares: mais um pouco de Linguística...


TROCANDO EM MIÚDOS COM O FORMALISMO

Francisca Ayanny Pereira Costa¹

Ferdinand de Saussure
Antes de se saltar diretamente para a Linguística Científica, vale ressaltar que essa só veio a ser uma ciência propriamente dita depois dos esforços, sendo que nenhum fora em vão, de Ferdinand de Saussure. Este estudioso voltou seu olhar para uma única, por assim colocar, missão: tornar a Linguística uma área das ciências modernas. Para tanto buscou definir os dois principais pré-requisitos para uma disciplina tornar-se científica: o objeto e o método.
O primeiro dos dois requisitos, nós podemos entregar os créditos da delimitação para Saussure, visto que, apesar de não ter sido o pioneiro, foi o que iluminou o caminho para muitos que viriam a seguir. Sabendo que a linguagem compõe-se do discurso, seja este falado seja escrito, Saussure teve que tomar a difícil decisão de objetivar a linha de estudos da Linguística. Pelo o que se constava, na linguagem havia duas vertentes, surgindo assim uma de suas famosas dicotomias, ou se trabalharia com a fala, ou se trabalharia com a língua.
Saussure optou pela segunda por razões, por assim colocar, convenientemente seguras e lógicas. Em oposição à fala, a língua possuía quatro características que a tornavam perfeita para ser o objeto da Linguística científica, citando-as: abstrata, social, homogênea e é um sistema. Observemos por parte então. A primeira delas é que a língua não se constitui de um conjunto de processos fisiológicos como a fala (o ato de emitir sons, de recebê-los, transformá-los em impulsos elétricos e enviá-los ao cérebro), trata-se de uma atividade cognitiva, isto é, da consciência construída por todo homem com interações sociais. Analisando desta forma, independente do idioma aprendido, todo ser humano acaba por adquirir a língua, ou uma língua.
Visto que a consciência pode ser considerada fruto de uma interação social, e que linguagem é, talvez, uma consequência dessa interação, a língua torna-se social. Para melhor explicar, tomemos um exemplo: todos, por mais extrema que seja a região, que moram no Brasil falam o português brasileiro. Um falante que mora em Chorozinho, Ceará, é compreendido por um falante que mora em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, ou no Arquipélago de Fernando de Noronha, e isso se dá porque para ambos os moradores a língua é mesma, ainda que regionalismos existam. Há algo de comum para todos os habitantes de uma nação e isso torna o estudo da língua mais viável para Saussure, ao invés de estudar cada forma individual de falar. Pensando dessa forma entende-se a homogeneidade da língua, isto é, uma língua única para todos.
No entanto, para podermos mergulhar realmente no formalismo, o que nos interessa é a última particularidade da língua observada por Saussure: o fato de a língua constituir-se de um sistema. Se para todos os praticantes do português brasileiro há uma unanimidade, garantindo a compreensão e sociabilidade entre os mesmos, significa que existe um conjunto de aspectos abstratos, e então adquirido por eles, que sustenta essa unanimidade. Há esse ponto em comum que Saussure chama de “sistema”. Falo de um conjunto de regras que regem o uso da língua, isto é, a fala. Poderíamos denominar de duas maneiras esse conjunto: o nosso dicionário e a nossa gramática mental. O dicionário para o uso das palavras de acordo com seus significados, ou seja, o conteúdo. A gramática, principalmente, para a construção dos enunciados, ou seja, a forma.
É nesse ponto que entra o já citado Formalismo, como já está no próprio nome, se volta justamente para a “forma do sistema”. Talvez por ter Saussure como seu precursor, as dualidades também se apresentaram nesse nível dos estudos linguísticos. Como antes, vamos por parte. O primeiro modelo formalista de estudos da linguagem enformado foi Estruturalismo. Igualmente ao Formalismo, o que este modelo trata está no próprio nome: a estrutura da língua, que não deixa de ser sinônimo, neste caso, de forma. Teve suas importâncias para a Linguística Científica e aqui cito duas julgadas por muitos como decisivas.
Leonard Bloomfield
Primeiramente, o caráter epistemológico foi levado em conta. Analisar o objeto a partir de sua raiz, nesse caso, seria a construção das sentenças, relevando as relações que os termos usados criam entre si (determinante e determinado). Mas vale lembrar que, como postulava Bloomfield, não se considerava a linguagem uma capacidade inerente ao homem, isto é, o ser humano aprendia ao longo de sua convivência com o meio (pessoas e ambientes) e com as respostas que recebia de seus estímulos. Bloomfield apoiava-se na teoria behaviorista para explicar o processo de aquisição da linguagem. Em suma, o homem constrói a partir do que recebeu.
Por conseguinte, observa-se o caráter metodológico. Sabendo que é importante observar as relações que os termos sustentam entre si, é preciso conhecer como elas se dão, estruturalmente pensando. Nos é apresentado o princípio da comutação. Os constituintes são analisados a partir de sua localização na estrutura e de seu comportamento para com ela, deixando de lado o conceito tradicional, criando-se a Gramática de Constituintes. Tomemos um exemplo para tanto: o adjetivo deixar de ser a palavra que caracteriza o ser, e se torna, pela posição, a palavra que acompanha o substantivo, e pela função, o agente determinante do sujeito ou do próprio substantivo. Se assim não for, a palavra perde sua caracterização como “adjetivo” e passa a ser outra coisa. Desta forma pode-se observar cada estrutura e dividi-la em seus dois constituintes, repetindo o processo nos termos que surgirem, por conseguinte.
Pode parecer conveniente, mas para um estudioso chamado Noam Chomsky problemas se evidenciaram ao se trabalhar com uma gramática de constituintes. Chomsky percebeu que se analisando, pelo princípio da comutação, cada sentença era uma sentença específica e que não se repetia em outros casos. Então como explicar orações escritas de maneiras diferentes, mas que expressavam a mesma coisa? (Comi o bolo/O bolo foi comido por mim) Não deveria haver semelhante estrutura, posto que as sentenças expressem o mesmo significado? E quanto às sentenças que expressem mais de um significado, ou seja, as ambiguidades? (A cachorra da vizinha espiou-me pelas brechas) Terei uma estrutura ou duas? Chomsky percebeu que a Gramática de Constituintes precisava ser aperfeiçoada a fim de responder estas perguntas.
Noam Chomsky
O outro lado da moeda formalista passa a ser conhecida: o gerativismo de Noam Chomsky. O sistema e o seu uso recebem novas denominação, com algumas alterações quanto ao conceito: "língua" passa a ser competência, visto que a língua, para Saussure, era algo social e para Chomsky, e é aqui em que os conceitos se diferem, a competência (o sistema) é algo interno ao homem, portanto, inerente, e compartilhado por ele com os indivíduos. O uso passa a ser  o desempenho, ou performance, talvez por não ser foco de estudo de ambos os autores, ainda mantém o mesmo conceito para Saussure e para Chomsky. Basta lembrar-se do Enem: competência se refere àquilo que se deseja que o aluno tenha ao fazer sua redação e o desempenho poderia ser o ato de escrever em si. Tal como todos os seus precursores, Chomsky prefere a competência ao desempenho. Os motivos já foram mais do que abordados: trata-se do sistema e este é social, homogêneo e abstrato. Mas não é apenas nessa sutil troca que o gerativismo se difere do estruturalismo.
Sabe-se que Bloomfield acreditava que o homem era, tal como afirmava John Locke, uma tábua rasa, nascia sem absolutamente nada, mas Chomsky já pensava o contrário. Se uma criança consegue criar incontáveis frases a partir de poucos vocábulos oferecidos aleatoriamente, por exemplo, casa/bonita/amarela/papai/a/o/de/morar/ser, muitas destas frases nunca pronunciadas por aqueles que compõem o meio da criança, pode-se dizer que esta mesma criança possui alguma “coisa” que a permite receber sentenças, quebrá-las e reconstruí-las de acordo com a sua vontade.  Chomsky supunha que este mesmo meio em que essa suposta criança está inserida não possui “informações” suficientes para que ela forme estruturas complexas, como “A casa amarela de papai é bonita” na qual a coesão de gênero e de número é mantida. A esta insuficiência de informações, Chomsky chamou de “O argumento da pobreza de estímulos”, bem direto por sinal.
Para justificar casos como estes, o linguista afirmou existir um dispositivo inato ao homem responsável por esse “cardápio vasto” de estruturas que uma criança poderia ter. Chomsky refere-se justamente a capacidade humana de se adquiri uma linguagem, independente da língua, o “patenteado” Dispositivo de Aquisição da Linguagem, ou Language Acquisition Device (LAD), que se assemelha a uma linha de montagem: o indivíduo recebe as peças e vai recombinando-as de acordo com sua necessidade expressiva. Quem assim conhece, afirmar que o papel do meio para a aprendizagem fora descartado, no entanto nãoé bem assim que Chomsky propõe. Se não há o meio para oferecer “as peças” para indivíduo, não há como ele adquirir quaisquer línguas, ou seja, o meio tem a sua importância, mas não é o centro. Isto é, uma criança não nasceria sabendo que língua ela vai falar quando puder, na verdade é preciso que os pais a ensine e que um professor específico a ajude a desenvolver suas capacidades linguísticas. Assim propunha Chomsky em sua Teoria Gerativista.


POR NONA AY


¹Texto feito pela aluna para a disciplina de Linguística III: Morfossintaxe, ministrada pelo Prof. Tiago Gil no dia 04 de abril de 2013 para o 3º semestre do curso de Letras, da URCA - Universidade Regional do Cariri.

Mudando de ares: um pouco de Linguística


SOBRE A GRAMÁTICA TRADICIONALISTA, OU TRADICIONAL, AINDA MAIS, CLÁSSICA.

Francisca Ayanny Pereira Costa¹

No início, muito antes desta disciplina se chamar “Linguística”, os estudos voltados para a linguagem não eram propriamente gramaticais. Vale lembrar que tais estudos têm suas origens na Grécia Antiga, com os filósofos clássicos. Pode-se considerar que o primeiro passo dado rumo aos debates propriamente linguísticos foi dado por Platão, quando escreveu “Crátilo”, obra na qual ele começa a questionar a gêneses da linguagem humana. A pergunta que permeia tal trabalho é se trataria de um acontecimento natural ou seria convenção do homem. No trabalho, Platão se convence de que originalmente a linguagem era natural, e com o passar do tempo, em vista das influências dos meios e da reflexão sobre todas as coisas, convencionou-se.
Outro filósofo que voltou alguns de seus estudos para âmbito da linguagem foi Aristóteles. Diferentemente de Platão, que mantinha as discussões no domínio ideológico, Aristóteles trouxe-as para o campo do discurso. Este último estudou a construção do pensamento. Para ele, os conceitos, referente à nossa percepção do mundo, são palavras com significados próprios, os juízos são julgamentos formados a partir dos conceitos e por fim o raciocínio, mantendo a mesma linha de pensamento, é a união dos juízos.
Por estar trabalhando com a classificação das palavras no latim, Aristóteles observava cada termo de acordo com o seu significado, que posteriormente foram criadas dois tipos gramáticas baseadas nesse modelo de trabalho. Como havia o desejo mútuo de preservar a língua dos grandes escritores, isto é, o latim, as primeiras gramáticas propriamente ditas foram baseadas no significado e na pronúncia das palavras. Respectivamente, a primeira era para os falantes aprenderem a norma culta da escrita latina, enquanto a segunda servia para aqueles que queriam aprender a falar latim, mas não eram gregos. Mesmo com finalidades diferentes, ambas as gramáticas eram tradicionais, pois visavam manter o latim como língua primordial.
Dionísio da Trassa, outro filósofo de trabalhos provavelmente posteriores aos de Aristóteles, deu seguimento aos estudos do último, dando melhor forma. Percebeu-se, então, que essa gramática iniciada por Aristóteles e continuada por Dionísio possuía quatro importantes atributos. O primeiro refere-se a sua origem. Como já fora mencionada, as primeiras discussões a respeito da linguagem partiram dos filósofos, tal como a atitude de “montar” a primeira gramática. Assim posto, consideramos que a gramática tradicional é filosófica.
Por Aristóteles ainda ter mantido a associação da palavra com aquilo que ela representa no mundo real, já pregado por Platão, dizemos que a gramática tradicional é semântica. Isto é, ela primordialmente trabalha com os significados dos termos usados. Para efeito de exemplo tem-se a definição de substantivo ensinada nas escolas nas séries iniciais: a palavra que nomeia o ser. A criança deve conhecer primeiramente o que são os seres para só então poder aplicar a ação de nomeá-los, ou seja, ela deve ir ao mundo real para entender algo da linguagem.
Sabendo que essa modelo de gramática trabalhará com os significados, seja para quem quer escrever seja para quem quer falar. Era necessário criar-se um conjunto de normas, regras, para que os falantes pudessem seguir a risca a fim de manter o latim “intacto”. Tal como os médicos dizem aos seus pacientes que remédios tomarem para se curarem de suas enfermidades, os filósofos impuseram que “caminhos” as pessoas deveriam tomar caso quisessem se tornar verdadeiros cidadãos romanos através da língua. Podemos concluir, por fim, que a gramática tradicional também é prescritiva.
Quase como causa direta das duas características mencionadas acima, semântica e prescritivista, a gramática tradicional é, antes de tudo, universalista. Como já fora explicitado, a ânsia dos estudiosos gregos da linguagem humana era de preservar e de repassar a todos o latim usado pelos grandes escritores (aqui cito Homero, Virgílio, entre outros), portanto, todos que quisessem falar de maneira culta, deveriam se espelhar no latim, visto que era postulada como a língua perfeita dentre todas. Regras gerais foram criadas para que servissem para todas as outras línguas e eram pautadas no latim. Deste modo pode-se considerar que as outras propriedades tradicionais da gramática, exceto a filosófica, existiram em decorrência desse desejo de universalidade.
Com o advento da modernidade, em que o sentimento de nacionalidade aflorava em cada país, as línguas nacionais começaram a receber as atenções dos linguistas. O latim começou a perder seu caráter universal a partir do momento em que os estudos se voltavam para cada e toda manifestação da linguagem humana, independente da língua ou do país. O desejo já não procurar a língua perfeita ou mais completa, na verdade voltava-se para as descrições de cada particularidade das línguas. Por finalmente a Linguística ter se firmado como ciência específica, as bases teóricas das novas gramáticas eram baseadas na forma do enunciado, visto que Saussure, estudioso linguista, sugerira que o objeto da Linguística deveria ser a língua, ou seja, a forma da linguagem.


¹Texto feito pela aluna para a disciplina de Linguística III: Morfossintaxe, ministrada pelo Prof. Tiago Gil no dia 04 de abril de 2013 para o 3º semestre do curso de Letras, da URCA - Universidade Regional do Cariri.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Branca de fome - Parte 3


Branca não via nada além de muita poeira e o sol forte em seu rosto. Lampião arrastava o homem pela calça através do chão quente, ele gritava e se mexia de agonia. O homem desvencilha-se de Lampião e levanta-se rapidamente, corre até seu jumento e retira uma espingarda. Aponta a arma para a cabeça de Lampião e espera o cachorro aquietar-se.
-Se ocê matar meu cachorro, eu afogo ocê na própria goela! – grita Branca, colocando-se entre o cachorro e o homem.
O homem, que na verdade era um rapaz, abaixa a arma e fita Branca. Fica pasmo com o semblante decidido da moça. Branca não era tão bela como antes. A seca, o calor e os trabalhos pesados deixaram-na feia e maltrapilha. Ao contrário do rapaz: bem vestido, com botinas engraxadas e o cabelo marrom quase penteado.
O rapaz vai até o jumento e guarda a arma.
-Como é seu nome, sinhorita? – o rapaz aproxima-se de Branca, mas fica um pouco afastado porque Lampião lhe mostrava os dentes.
-Nome eu num sei não, seu dotô... Só me chamam de Branca... – a garota manteve-se fria e direta.
-Eu num sô dotô mocinha! – brinca o rapaz.
-E eu num sô mocinha! Sô muié! E ocê? Quem é?
-Eu me chamo Miguel Lourival Sousa Rodrigues de Matos Alencar! – o rapaz falou, categoricamente, cada palavra de seu nome.
Branca deu de ombros e virou as costas para o rapaz. Voltou a encher um grande tonel de barro que logo carregaria na cabeça. Termina de encher e coloca o barril na cabeça. Lampião põe-se na frente e vai escoltando o caminho de Branca até a fazenda.
-Ei! Por que me virou as costas?! – gritou o rapaz, montado em seu jumento, tentando acompanhar os passos ligeiros de Branca, a galope.
-Ora essa! – Branca riu consigo mesma – Prum cabra que tem um nome que é quase um livro, ocê num é lá essas coisa toda não!
-Menina atrivida! Mulambenta! Num sabe com quem tá falando não?! Sô filho do coronel...
Branca interrompe parando no meio do caminho.
Ela põe uma mão na cintura.
Lampião prepara-se para um ataque.
-Num sei quem, num sei quem, num sei quem Rodrigo do Mato!!! – Branca volta a caminhar, veloz, o caminho para a fazenda. Deixando Miguel sem palavras e se roendo de raiva da ousadia de Branca.
Após algumas semanas, Branca não viu mais Miguel todas as vezes que ia buscar água no poço. Porém andava preocupada com outra coisa: Rainha andava agindo estranha desde o aniversário de Branca de 16 anos, conversando com um homem estranho que olhava imoralmente para Branca. Rainha parecia planejar algo e Branca tinha medo de tal plano.
Certa noite, Branca sem dormir, foi até a fazenda pegar alguns restos do jantar para comer e dividir com Lampião. O cachorro vigiava a choupana silenciosamente, apenas iluminada pela luz da lua, quando Branca saíra. Lampião seguiu a amiga até a casa, sorrateiro como um rato, mas atento como um calango.
Branca vê Rainha conversando com o estranho homem barbudo. Agora ele estava provisoriamente hospedado na fazenda. Os dois conversavam sobre trocas. Branca coloca-se atrás de uma mesa rústica e observa a conversa dos dois. Lampião deita-se ao seu lado.
-Pois está feito seu Sivirino! Branca, amanhã bem cedo, vai simbora com o senhor! Em troca o senhor me dá três cabeças de gado, certo?!
-Sim sinhora! Branca é minha e meus três boi branco é da sinhora! – os dois apertam as mãos selando o contrato.
Branca assombra-se com a resolução, mas se mantém em silêncio e sai devagar da sala. Logo estava na cozinha, pegando tudo o que podia de comida, colocando em uma bolsa de couro bovino que possuía e estava atrás da porta, além de água e algumas roupas que ela guardava no armário onde ficavam os cereais. Branca tinha pressa.
Lampião esperava Branca na porta, espreitando o movimento de toda a casa. Logo Rainha surge através da porta, empurrando-a com força, Lampião esconde-se embaixo da mesa.
-Onde pensa que vai com essas coisa?! –Rainha percebe o que Branca fazia. Branca vira-se para a Rainha e coloca a bolsa nas costas.
-Vô me bora!
-Oxe! E por quê?!
-Ocê vai me vender por três cabeça de boi!!! Isso num se faz cum a pessoa que passô a vida intera trabaiando e cuidando da sinhora sem recramá nenhuma veiz! Ocê é ruim feito uma cobra criada!!! Eu vô me bora e num tem um mundo que me impate!
Rainha mexe-se para agarrar Branca pelo braço.
-De jeito manera!!! Venha cá sua cabrita!!!  – Rainha grita.
Mas Lampião mordeu-lhe a perna, fazendo Rainha cair no chão como uma árvore despencando. Lampião passou por cima de Rainha e correu para o lado de fora da casa. Branca e Lampião já iam longe, cobertos pela escuridão da noite, correndo pelo sertão do Ceará, sem rumo ou direção. Sem ter noção do que poderia acontecer com os dois pelo caminho.