quarta-feira, 18 de abril de 2012

(O milagre das sombras) Prólogo - Gabriela



Era tarde, entre sete e oito horas da noite, ainda assim ela precisou sair urgentemente de casa. Era uma questão de saúde. Precisava levar seu filho ao médico, pois desconhecia o comportamento de sua criança: ele não ria, não chorava e dormia muito pouco, mesmo com os estímulos de sua mãe. Seu bebê possui quatro meses de vida e não age como tal, as dores de cabeça são causadas pela falta de tormento.             
Gabriela, a mãe de 16 anos solteira do bebê, tem pressa de chegar ao hospital Tasso Jereissati. Ela mora perto de lá, contudo, naquela noite, o hospital parecia longe.Apertou o passo.Teve um pressentimento ruim antes de sair de casa, mas seu bebê era sua prioridade agora. O vento soprou frio e cortante. Gabriela aperta a criança em seus braços para protegê-lo do frio repentino.Carregava-o em panos grossos para evitar o frio.
Ela passava do outro lado da rua na qual ficava localizada a praça da prefeitura de Juazeiro do Norte quando viu um casal empilhando corpos mutilados. Inconscientemente parou a marcha e sentiu-se obrigada a observar a curiosa cena, contudo, horrenda. Aquele fora o último momento em vida que a curiosidade de Gabriela a fez entrar em uma encrenca.Em segundos já havia retomado a marcha para o hospital.
A jovem mãe sabia quem eram aquelas pessoas empilhando corpos, outrora acharia esquisito, mas agora se tornou um fato corriqueiro e bizarro.
Quando Gabriela possuía 15 anos, há um ano antes de engravidar, recebera o sinistro convite de seu “namorado” para fazer parte de uma daquelas duas gangues que tinham cabalística mania de beber sangue de humanos. Seu namorado lhe falou em poderes sobrenaturais, em beleza eterna, em grandes riquezas e uma vida eterna, pomposas eram as vantagens de fazer parte de uma das gangues dos acordados, como eram chamados os membros por terem outra mania bizarra: andar somente à noite.
Gabriela também sabia que a rixa que as duas gangues possuíam sempre trazia a morte aos seus membros e que os combates eram tão violentos que apenas os líderes sobreviviam. Logo negara o convite. Seu “namorado”, possesso de fúria, violentou-a e, por conseguinte, Gabriela engravidou. Não denunciou as autoridades policiais quem a estuprara, e tampouco que fora estuprada, por causa do medo, mesmo com a existência vigente da Lei Maria da Penha no código penal brasileiro.
Ela é apenas mais um caso de tantas outras jovens que engravidaram precocemente. O que importava era que estava viva, por enquanto.
Continuou a passos firmes.
Até então ninguém ali lhe notara e desejava continuar assim.Repentinamente uma mão forte apertou-lhe o ombro.Gabriela temeu pela vida do seu filho. Apertou-o ainda mais em seus braços e não se moveu, apertou os olhos e esperou o segundo seguinte. Seu corpo foi virado bruscamente e no ato de girar sobre os calcanhares ela gritou, pois vira o rosto de seu agressor: um adolescente que possuía provavelmente a sua idade e sua altura, ele ofegava e expelia sangue pela boca. Estava sem um dos braços e exibia suas presas. Aquele rosto nunca lhe foi tão familiar como agora: seu ex-namorado. O acordado a toma pelo braço e a lança ao chão, fazendo o bebê cair inconscientemente ao seu lado.
O acordado salta em seu corpo e lhe morde o pescoço, sorvendo seu sangue veementemente. Gabriela grita como pode.
Com o resto de seus sentidos, a jovem mãe percebe uma figura se aproximar num leve flutuar. Uma figura fantasmagórica? Seria a morte? Não, Gabriela sabia que não. O rosto da figura, suave e angelical, encontrou o seu e o acordado foi retirado de cima de seu corpo à força. Gabriela sorriu. Um anjo viera lhe salvar.
-Um anjo... Anjo... – sua voz soa fraca e falha, quase inaudível – Salve... Meu... Salve... Salve meu... – ela tentou, ela quis gritar ao seu anjo salvador, com seu último suspiro, que salvasse seu bebê, mas tudo escureceu e sua vida esvaiu-se ao som copioso do choro de uma criança. 
João, seu filho, finalmente chorara.